COP 30 da Amazônia e a Ilusão do Espaço Democrático: Quando a Barreira é Visível Para Quem Vive a Exclusão

21 de nov. de 2025

A COP 30 da Amazônia é vendida como um farol de democracia, um espaço aberto à pluralidade de vozes que clamam por soluções para a crise climática. No entanto, a minha experiência — e a de incontáveis outros corpos invisibilizados — revela uma verdade crua: essa suposta abertura é, na prática, profundamente limitada. As barreiras surgem muito antes de atravessarmos o primeiro portão. Elas são a estrutura.

Por Tiago Souza – Internacionalista e ativista climático – Carta de Direitos climáticos do Território Nordeste de Amaralina.



Eu e minha amiga Edna, pernambucana e quilombola, solicitamos nossas credenciais ao governo dentro do prazo. A resposta? Nenhuma. O silêncio institucional, uma forma de violência tão familiar para determinados corpos, já anunciava quem é, de fato, considerado legítimo para ocupar esses espaços. Só conseguimos rasgar o véu e acessar a Blue Zone (zona azul) porque outras instituições nos estenderam a mão. Assim se revela a primeira e mais dolorosa camada de exclusão: a dificuldade de entrada mascarada de "burocracia".

Ao pisar na COP 30, essa sensação transformou-se em evidência escancarada. Na fila de credenciamento da Blue Zone (zona azul), um voluntário abordou apenas a mim, perguntando se eu estava no local correto. Ele me informou que aquela fila era exclusiva para a Blue Zone (zona azul) e que, se eu fosse para a Green Zone (zona verde), não precisaria estar ali. Tive de afirmar, com a voz firme, que eu tinha credencial para a Blue Zone (zona azul) e que estava exatamente onde deveria estar. Ele não questionou mais ninguém. Apenas a mim. A mensagem implícita não poderia ser mais alta: "este espaço não foi feito para você."

Essa lógica estrutural, racista e classista, atravessa toda a COP. O protesto realizado pelo povo indígena foi o grito que expôs essa disputa por legitimidade. Eles precisaram lutar — dentro de um evento que se autodenomina democrático — para terem o direito de existir e de serem ouvidos sobre um tema que os atinge de forma direta e brutal. E, ironicamente, após essa manifestação legítima, a resposta da estrutura foi o recrudescimento do medo: no dia seguinte, a Blue Zone (zona azul) estava sitiada por forças do Exército, polícia militar e equipes armadas. Como se povos originários e a sociedade civil fossem, de repente, inimigos a serem contidos.

A narrativa oficial insiste na ilusão de que “todos têm voz”, mas a prática demonstra que o futuro do planeta continua a ser decidido por um círculo fechado: lobistas, representantes de grandes corporações e diplomatas brancos. Muitos deles não apenas não viverão as consequências mais severas da crise climática, como lucram indecentemente com ela.

O distanciamento entre a elite global e a realidade local ficou tragicamente evidente quando um chanceler alemão se sentiu confortável em criticar publicamente a cidade de Belém do Pará. Esse tipo de comentário não é apenas desrespeitoso; ele demonstra que as pessoas que estão ali discutindo o clima, de fato, não se importam com as vidas e com os contextos onde as mudanças climáticas são sentidas.

Há uma imagem que resume toda essa tragédia do desequilíbrio: o diplomata André Corrêa do Lago segurando um bebê indígena. Essa cena não é afeto; é o retrato fiel da estrutura de poder que rege a COP. Pessoas brancas, protegidas por muralhas institucionais, decidindo o destino de corpos indígenas, negros, periféricos e quilombolas — que seguem deliberadamente fora das mesas de negociação.

Nós, povos pretos, indígenas, periféricos, quilombolas e pobres, somos os termômetros do mundo. Somos os primeiros a sentir os impactos, os que perderão nossas casas, nossos territórios, nossos biomas. Ainda assim, somos mantidos à distância dos espaços onde se decide a nossa própria sobrevivência. Na COP, debates sobre perdas e danos são guiados sobretudo por frios cálculos financeiros — o quanto se ganha ou o quanto se perde — enquanto nossas vidas seguem sendo tratadas como um detalhe, uma nota de rodapé.

É doloroso perceber que, mesmo quando conseguimos atravessar as barreiras, muitas vezes somos forçados a vestir "máscaras brancas" para sermos minimamente aceitos. É igualmente cruel ver a imagem de nossos povos sendo usada como símbolo vazio de inclusão, enquanto, na prática, nossa presença real é limitada e nossas vozes, ignoradas.

Se almejamos a Justiça Climática, precisamos virar essa mesa. Esta COP, em particular, apenas reforça uma verdade brutal: o que realmente se importa aqui é o dinheiro, o lucro, e não a vida humana e a biodiversidade.

A solução não virá das estruturas de poder que construíram e que alimentam esta crise. Ela brotará das vozes historicamente silenciadas: dos povos pretos, pobres, periféricos, indígenas e quilombolas. De quem vive os impactos na pele. De quem conhece a terra. De quem carrega soluções ancestrais e comunitárias que o capital insiste em desprezar.

Para um futuro verdadeiramente justo, NÓS precisamos estar sentados à mesa de negociações. Precisamos levar nossa ancestralidade, nossos saberes, nossas dores e nossas propostas — sem máscaras, sem filtros, em nossa verdade plena. É nosso dever ocupar esses espaços com legitimidade, porque:

Nós conhecemos os problemas. Nós sabemos como resolvê-los. E é nosso o futuro que está sendo decidido.

Crédito da imagem: Reprodução / Coletivo nacional de comunicação MAB