Estuário fértil - Marcha das mulher negras, ser, sentir e pertencer
29 de nov. de 2025
Após dez anos da primeira Marcha Nacional das Mulheres Negras, milhares de mulheres se reuniram em uma tarde histórica do dia 25 de novembro de 2025 para marchar por reparação e bem viver. Nós, da Rede Tumulto, marcamos presença com nossas quatro coordenadoras negras, Fernanda Paixão, Flora Rodrigues, Gil Santanna e Yane Mendes, reconhecendo este espaço como um verdadeiro laboratório de construção de pertencimento, fortalecimento político e afetivo para embasar os desdobramentos para as meninas e mulheres dos nossos territórios.

Por Nanda Paixão e Gilmara Santana
Mais do que um evento pontual, o movimento é como um grande estuário. Sendo um espaço fértil onde diferentes histórias se encontram e dão origem a novas potências coletivas, sendo dentro dos espaços já construídos ou novos que surgem no pós evento.
CONTEXTO HISTÓRICO
Após dez anos da primeira Marcha Nacional das Mulheres Negras, milhares de mulheres se reuniram em uma tarde histórica do dia 25 de novembro de 2025 para marchar por reparação e bem viver. Nós, da Rede Tumulto, marcamos presença com nossas quatro coordenadoras negras, Fernanda Paixão, Flora Rodrigues, Gil Santanna e Yane Mendes, reconhecendo este espaço como um verdadeiro laboratório de construção de pertencimento, fortalecimento político e afetivo para embasar os desdobramentos para as meninas e mulheres dos nossos territórios.
A marcha traz consigo o sentimento de confluência das muitas marchas que as mulheres negras realizam todos os dias. É o gesto de colocar no centro, reconhecendo-se como sujeito político e histórico que move e transforma o mundo. Falar em insurgências de mulheres negras é reconhecer os inúmeros modos pelos quais nós no Brasil e na diáspora africana, resistimos, contestamos e reinventamos as estruturas, enfrentando o racismo, o sexismo, o colonialismo e as desigualdades que atravessam nossas vidas. É celebrar a força que insiste, cria, cuida e fundam novos caminhos.
Se visualizar na marcha é materializar que as vivências contextualizadas nos diversos territórios nacionais é também uma experiência coletiva. É olhar para a outra e sentir unidade. Sendo um espaço criadouro potente, de força e ação não só para as mulheres que estão presentes. Mas uma continuidade de construção no retorno para os seus espaços de atuação. Ampliando e aprofundando as lutas no cotidiano e entorno de vivência dessas mulheres, como relata Ana Benedita-Recife/PE,
“Estou me sentindo muito honrada de estar aqui, vivenciando. Estou emocionada por estar aqui com as minhas iguais (...) e tenho o propósito de na próxima Marcha estar aqui com minha mãe e minha filha.”
Na fala de Ana, vemos que o propósito da marcha é o legado. O pensar além do hoje e sim o que vem depois, reverenciado sempre as que vieram antes de nós, destacando a importância desse diálogo intergeracional. É por isso que este momento se torna tão revigorante: ele reafirma que a luta de hoje constrói bases mais sólidas para as próximas gerações de mulheres negras. Ao marchar, reforçamos que somos muitas e não estamos sós. Criamos uma ponte entre passado, presente e futuro. Como afirma Maria Lúcia-SP
“Essa Marcha mostra a potência das mulheres negras e o que elas são capazes de fazer. O que tem aqui unidas em Brasília neste 25 de novembro é uma representação das forças das mulheres negras de fazer mudar esse cenário.”
Portanto, ser mulher negra na Marcha é reconhecer-se como sujeito político e histórico. É afirmar uma identidade que, apesar de tantas tentativas de silenciamento, resiste e se reinscreve no centro do debate político. Ser, aqui, não é apenas existir: é ocupar espaço, reivindicar direitos e reafirmar a força das que vieram antes de nós, mas que sustenta cada passo. É compreender que cada corpo presente traz consigo uma história, uma luta e uma potência coletiva que transforma territórios, narrativas e futuros possíveis.
Sentir a Marcha é permitir que o encontro com outras mulheres negras desperte emoções profundas: reconhecimento, acolhimento, força e coletividade. É perceber que experiências aparentemente individuais, marcadas pelas desigualdades e pela resistência cotidiana, ganham sentido coletivo quando se cruzam. No sentir, nasce a certeza de que não caminhamos só; que nossa dor encontra eco, e nossa potência, espelho. A emoção que atravessa a Marcha revela a dimensão afetiva da luta, onde corpo, memória e ancestralidade se entrelaçam.
Marcha é integrar-se a uma trama contínua que conecta passado, presente e futuro. É perceber que fazemos parte de uma comunidade que não apenas reivindica, mas também cria caminhos, redes e possibilidades para as próximas gerações. É carregar no corpo a memória das que vieram antes e, ao mesmo tempo, abrir espaço para as que virão. Na Marcha, o pertencimento é um ato político: é declarar que somos muitas, diversas, vivas.