Somos Nós: reflexão sobre a crise climática e o cuidado com quem amamos
29 de nov. de 2025
A crise climática é quando minha avó não consegue mais ficar no quarto dela por causa do calor excessivo e precisa ir para a sala para respirar um pouco de ar mais fresco. É quando o peixe que sempre aparecia na época certa já não vem mais, como se o rio tivesse perdido seu próprio relógio. É quando a colheita do açaí demora mais, muda o tempo, muda o sabor, muda o fluxo da nossa vida.

Por Lírio Moura da Silva
Quando pensamos em mudança climática, parece que estamos falando de algo enorme, distante, quase científico demais. Mas, para nós, que vivemos a Amazônia com o corpo e com a memória, a crise aparece em pequenas cenas do dia a dia — cenas que doem porque tocam diretamente as pessoas que amamos.
A crise climática é quando minha avó não consegue mais ficar no quarto dela por causa do calor excessivo e precisa ir para a sala para respirar um pouco de ar mais fresco. É quando o peixe que sempre aparecia na época certa já não vem mais, como se o rio tivesse perdido seu próprio relógio. É quando a colheita do açaí demora mais, muda o tempo, muda o sabor, muda o fluxo da nossa vida.
A crise também é quando surgem doenças que antes não existiam por aqui, e a gente se pergunta de onde veio aquilo que nunca fez parte do nosso cotidiano. E, quando aparece, vem junto outra pergunta difícil: como pagar pelos cuidados, pelos remédios, pelos serviços de saúde que se tornam cada vez mais necessários? E quando buscamos apoio, percebemos que não há políticas públicas pensadas para nossa realidade ribeirinha — e ficamos tentando descobrir sozinhos como fazer para continuar vivendo bem no lugar que nos formou.
É por isso que, para nós, a mudança climática não é um debate distante: é sobre nossos avós, nossos tios, nossos amigos, nossos parentes. É sobre nossas próprias vidas. Somos nós que sentimos o calor, que pescamos, que colhemos, que adoecemos, que cuidamos. Somos nós que pertencemos à Amazônia — e é por isso que cuidar dela é, ao mesmo tempo, cuidar de quem somos e de quem amamos.
Porque, no fim das contas, a crise climática não acontece com “eles”. Acontece conosco. Conosco e dentro de casa. E é desse lugar, tão íntimo e tão coletivo, que nasce a conscientização: proteger o território é proteger a nossa própria existência.
Crédito da Imagem: Kompas/Hendra A Setyawan (HAS)