Arte Cabana: o grito de resistência nos corpos amazônicos

17 de nov. de 2025

Movimentos paralelos ganham força em Belém. Entre eles, o “Funeral dos Combustíveis Fósseis”, grande performance coletiva que enterra simbolicamente a era da dependência de petróleo e seus impactos sobre a vida.

Rafael Cardoso / Agênca Brasil

Imagem: Rafael Cardoso / Agência Brasil

Por Alice Cristina Souza da Silva

2025 chegou na Amazônia carregado de discursos sobre o futuro climático, mas também de condenações sobre os corpos amazônicos. O Estado que privatiza rios — seres ancestrais para quem mora aqui — também convida outros países para discutir justiça climática. A COP30, nas salas oficiais, sela acordos e fala por corpos que não se fazem presentes. Mas fora dessas salas, existe outra COP: aquela construída por artistas, comunicadores e pelo povo que, mesmo desvalorizado e muitas vezes não remunerado, segue criando para não ser silenciado.

É contraditório que um evento que se alimenta da estética amazônica ignore quem dá vida a essa estética: artistas regionais e mestres que enfrentam apagamento e descaso dentro de um dos maiores eventos ambientais do mundo — um evento que discute corpos sem os reconhecer.

Movimentos paralelos ganham força em Belém. Entre eles, o “Funeral dos Combustíveis Fósseis”, grande performance coletiva que enterra simbolicamente a era da dependência de petróleo e seus impactos sobre a vida.

A Kza Juma, com a exposição “Rejeitados”, coleta destroços das obras de embelezamento de bairros nobres, jogados pelo próprio governo em bairros pobres habitados, como a Vila da Barca, e transforma esses materiais em exposições e instalações. Essas ações denunciam o apagamento cultural, o racismo ambiental e a exclusão social causada por uma urbanização não pensada para a Amazônia.

Nas casas culturais, ocupações independentes e espaços comunitários, jovens amazônicos montam fotografias, vídeos, pinturas e performances. Com recursos mínimos, essas ações revelam uma Amazônia que produz arte, consciência e resistência, comunicando uma realidade muitas vezes invisível nos noticiários oficiais e nas redes internacionais. Essas iniciativas mostram que a arte, como instrumento de mobilização social, é capaz de criar imaginários que conectam cultura, território e consciência ambiental.

A arte amazônica se manifesta também nos corpos indígenas. Grafismos feitos com urucum, jenipapo e carvão carregam saberes ancestrais e funcionam como mapas de proteção, memória e territorialidade. Cada grafismo é uma história, um aviso, uma afirmação de quem são. Quando esses aparecem na COP30, é a própria floresta que se faz presente. Não são adornos: são mapas escritos no corpo, territórios desenhados na pele.

Cantorias e músicas tradicionais atravessam ruas, praças e espaços públicos, ocupando posições centrais como forma de protesto, tanto ao redor das zonas de negociação quanto nos espaços marginalizados. Elas lembram que a Amazônia não fala apenas por documento, mas por vibração, ritmo e espiritualidade, reivindicando não apenas direitos humanos, mas os direitos da própria natureza, porque aqui não existe separação entre corpo e terra. Somos um único organismo. Nós somos a Amazônia.

A presença de artistas, jovens indígenas, comunicadores de base, ribeirinhos e quilombolas marca uma virada histórica. O Norte reafirma sua força: esta é a nossa segunda Cabanagem, resistência cultural dos levantes históricos dessa região. Justiça climática não existe sem justiça territorial. Não há acordo ambiental que funcione se continuar apagando aqueles que cuidam e constroem a floresta.

A arte amazônica, sem permissão, denuncia e protesta, ocupando os espaços onde nossos corpos são deixados à margem, mostrando que a verdadeira transformação está na resistência que criamos ao materializar as vozes da Amazônia.

Referências

Privatização dos rios

  1. Outras Palavras / Amazônia Real. “Amazônia: três hidrovias na mira da privatização.” 2025. Disponível em: https://outraspalavras.net/outrasmidias/amazonia-tres-hidrovias-na-mira-da-privatizacao

  2. MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens. “Rios da Amazônia entram na vitrine da privatização.” 2025. Disponível em: https://mab.org.br/2025/10/02/rios-da-amazonia-entram-na-vitrine-da-privatizacao-querem-destruir-o-tapajos-o-tocantins-e-o-madeira/

Racismo ambiental na Vila da Barca

  1. Brasil de Fato. “Obra da COP30 vai levar esgoto de área nobre de Belém para comunidade de palafitas.” 2025. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2025/04/28/obra-da-cop30-vai-de-levar-esgoto-de-area-nobre-em-belem-para-comunidade-de-palafitas/

  2. Observatório dos Grandes Projetos na Amazônia. “COP30 em Belém e o racismo ambiental na Vila da Barca.” 2025. Disponível em: https://ogpa.com.br/index.php/2025/03/30/cop-30-em-belem-e-o-racismo-ambiental-na-vila-da-barca/

Exclusão dos povos originários na mesa de debate da COP30

  1. Amazônia Real. “A COP30 não reconhece a gente, diz indígena do protesto.” 2025. Disponível em: https://amazoniareal.com.br/a-cop30-nao-reconhece-a-gente-diz-indigena-do-protesto/

  2. Agência Cenarium. “Tentam nos silenciar, diz Alessandra Munduruku sobre indígenas na COP30.” 2025. Disponível em: https://agenciacenarium.com.br/tentam-nos-silenciar-diz-alessandra-munduruku-sobre-indigenas-na-cop30/

Falas de lideranças

  • Auricélia Arapiun: “Os rios são nossa vida, não mera rota para o agronegócio.” (Outras Palavras, 2025)

  • Alessandra Korap (Munduruku): “Estão tentando nos silenciar… É o nosso dever gritar, e eles têm que ter a obrigação de resolver as políticas públicas para o nosso território.” (Agência Cenarium, 2025)

Eventos culturais distintos

  • Funeral dos Combustíveis Fósseis. Performance coletiva de protesto contra a dependência de petróleo e seus impactos. Palco Belém, 2025.

  • Kza Juma / Exposição ‘Rejeitados’. Transformação de destroços de obras urbanas em arte para denunciar racismo ambiental e exclusão social na Vila da Barca. Instagram: https://www.instagram.com/p/DQhM1NjkR9R/?img_index=3&igsh=MWJuZDI4emxzdWM0Yw==