Soluções para crise climática a partir de saberes ancestrais

17 de nov. de 2025

O capitalismo verde aponta para falsas soluções, explora as populações historicamente subalternizadas e contribui para a extinção da vida na terra. Em contramão, a profunda conexão dos povos das águas, das florestas, quilombolas e indígenas gera o manejo sustentável dos ecossistemas e nos possibilita avançarmos rumo à soberania popular e alimentar pelo bem viver.

Ana Pessoa / Mídia Ninja

Imagem: Ana Pessoa / Mídia Ninja

Por Lorena de Oliveira Elias

A resposta para o enfrentamento à crise climática está nos territórios e na resistência dos povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e comunidades tradicionais, que oferecem soluções cruciais e eficazes para a redução do aquecimento global através de uma relação ecodependente e interdependente com a natureza, entendendo a sua essência como um bem comum, necessário à vida e não a compreendendo como um recurso a ser explorado para o lucro das elites sociais. As alternativas para a crise ambiental e para as múltiplas crises que se somam a ela, estão nos povos. 

O capitalismo verde aponta para falsas soluções, explora as populações historicamente subalternizadas e contribui para a extinção da vida na terra. Em contramão, a profunda conexão dos povos das águas, das florestas, quilombolas e indígenas gera o manejo sustentável dos ecossistemas e nos possibilita avançarmos rumo à soberania popular e alimentar pelo bem viver. Ao contrário da noção capitalista que pretende pintar a crise climática como elemento natural do modelo de desenvolvimento econômico atual, que esconde o fato de que os responsáveis por ela são os mais ricos, – os países do norte global – os saberes ancestrais trazem consigo, a afirmação de que as crises, a nível econômico, social, sanitário, ambiental e climático, bem como as soluções que precisamos adotar para sair delas, acontecem nos territórios, majoritariamente liderado pelas mulheres: nas lutas das comunidades afetadas pela mineração, pela extração petroleira, pelo agronegócio e, mais recentemente, pelo capitalismo revestido de verde. 

Enquanto o sistema capitalista quer vender o agronegócio como impulsionador da economia, explorar o petróleo na Amazônia Brasileira, convencer a sociedade acerca da falaciosa transição energética através do avanço das mega estruturas da dita energia limpa como as usinas hidrelétricas, a nuclear, eólica, solar, hidrogênio verde para exportação de commodity energética destinada ao norte global, do mercado de crédito carbono e a falsa mitigação dos impactos devastadores causados ao meio ambiente pelas transnacionais, responsáveis pela proliferação de conflitos socioecológicos, bem como ameaças às lideranças que estão na linha de frente em defesa do meio ambiente, os saberes ancestrais são as únicas saídas para o mundo não entrar em colapso: a soberania dos povos sobre os seus territórios e maretórios, a agroecologia, a reforma agrária, a agricultura familiar, a soberania energética e alimentar, o financiamento direto dos fundos públicos às organizações, entidades e movimentos de base através da incidência dos povos e comunidades na defesa dos bens comuns.

As grandes corporações que tentam compensar os crimes que comete contra as comunidades, ganha aval do Estado para que continuem se expandindo de forma predatória. Nessa lógica, toda a natureza fica a serviço da expansão do capital, que pode usá-la segundo suas próprias leis. Para conseguir fazer isso, foi preciso mudar dispositivos jurídicos que antes classificavam o patrimônio dos povos como bens comuns que eram pertencentes à todas as pessoas das comunidades, garantindo, dessa forma, a manipulação do mercado, aprofundando o cenário de injustiças que é predominante no nosso país. 

Os avanços da economia verde impactam mais os territórios dos povos do campo, das águas e das florestas, mas esse é um tema que diz respeito também a quem está na cidade e atinge diretamente as periferias, reproduzindo o racismo ambiental através de uma política higienista como parte de uma engrenagem que é estrutural: a hegemonia do mercado financeiro em todos os níveis que visa, a todo custo, lucrar com a exploração da vida e do trabalho das mulheres, privatiza a riqueza, os patrimônios materiais e imateriais públicos e culturais, socializa a miséria, a repressão e a destruição ecológica do planeta. Isso aparece no poder que as corporações e os bancos têm sobre o Estado, na precarização do trabalho, das condições de vida e na expansão capitalista através da economia verde.

Ao falarmos da economia verde e da transição energética comercializada pelo capitalismo, não estamos falando de clima, e sim de uma forma que o sistema econômico encontrou de financeirizar cada vez mais a vida das populações vulnerabilizadas e a natureza, resultando no aumento da violência, da miséria, da pobreza, do adoecimento físico e mental da sociedade, das desigualdades e do aquecimento global, que agrava a emergência climática que vivemos. Essa nova forma de mercantilização da vida não caminha a favor dos saberes ancestrais: explora e contamina os territórios, onde os povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais trabalham diariamente e garantem a reprodução da vida; constrói mega empreendimentos que sempre estão acompanhados do aumento do índice de violência e prostituição nos territórios onde se instalam; criminaliza os movimentos sociais; limita os modos de vida tradicionais, a agricultura familiar e agroecológica, a manutenção das suas tecnologias sociais ancestrais e a conexão com a espiritualidade histórica desses povos.

As guardiãs e os guardiões dos saberes ancestrais incorporam, há centenas de anos, em seus modos de vida, um modelo baseado no bem viver, na soberania e na transformação social, que é o ideal para o combate à crise climática. A expansão do neoliberalismo, que depende do patriarcado, do colonialismo e do racismo para se afirmar dá falsas soluções para os reais problemas dos povos do campo, das águas, das florestas e da cidade. As reais soluções para a crise climática são aquelas construídas nos territórios, onde haja uma política e transição energética justa, descentralizada, com escuta prévia, livre e informada às comunidades indígenas, quilombolas e tradicionais lideradas, em sua maioria, pela sabedoria das mulheres, onde a sustentabilidade e a valorização da vida estejam acima do lucro. 

A proteção dos territórios e a valorização dos conhecimentos indígenas são políticas climáticas eficazes, tanto para a mitigação quanto para a adaptação climática. As terras demarcadas apresentam taxas de desmatamento muito menores quando comparadas às demais. O manejo do fogo e a medicina indígena, são apontados como estratégias cruciais de adaptação aos impactos das mudanças climáticas. Somente quando for dada a devida importância de seus territórios e saberes na regulação do clima global.

Não há solução para a crise climática sem os povos indígenas, sem as comunidades rurais, periféricas urbanas e populações afrodescendentes. É de fundamental importância que estes participem ativamente das tomadas de decisões, que sejam ouvidos e o valor dos saberes e práticas ancestrais dos povos das águas, rios, mares, manguezais, florestas, da cidade e do campo seja reconhecido como um fundamento das soluções para reverter a crise climática, que sejam justas e emancipadoras.